RAZÕES PARA APRENDER KLINGON
Ambas as línguas foram criadas para serem sutis, complexas e soarem da maneira mais agradável e melodiosa que Tolkien pudesse imaginar e assim exprimir a sofisticação estética e espiritual dos seres sobre-humanos que a usavam. O Quenya, tido como mais antigo e perfeito (ou pelo menos melhor documentado nos trabalhos do autor) é o mais popular entre os fãs de Tolkien: a maioria quer, no mínimo, criar seu “nome élfico” nessa língua.
Muitos fãs divertem-se escrevendo sua própria língua com os alfabetos imaginados por Tolkien. Um deles é o Tengwar, baseado no “Alfabeto Universal” criado no século XVII por Francis Lodwick – o mesmo citado em Lodwick, Dalgarno e Wilkins: uma língua filosófica como criador da Common Writing. Enquanto a Common Writing era uma proposta de representar idéias com exatidão, o Alfabeto Universal, proposto alguns anos depois (1686), pretendia ser uma transcrição perfeita da fonética de todas as línguas naturais. É uma espécie de um precursor do moderno Alfabeto Fonético Internacional hoje usado pelos lingüistas, com a vantagem de que seus caracteres têm uma relação lógica com a articulação física dos fonemas, preservada no Tengwar de Tolkien.
Outro alfabeto de Tolkien é o Cirth, nada mais é do que uma ampliação do alfabeto rúnico dos anglo-saxões medievais – mais rústico, é mais freqüentemente usado para escrever as línguas dos humanos e dos anões, mais ásperas (vale notar que o “Khuzdûl” dos anões parece ter sido baseado no hebraico). O terceiro é chamado Sarati: supostamente é um precursor do Tengwar, com o qual se parece.
Mais recentemente, alguns dos fãs mais dedicados vão além de estudar a fundo as línguas de Tolkien e suas gramáticas e chegam a tentar usá-las em suas próprias criações literárias – o que exige um bocado de engenho e criatividade, pois o inventor da língua não tentou compor um dicionário razoavelmente completo. O mais conhecido destes fãs é o lingüista David Salo, que depois de publicar uma gramática do Sindarin e foi contratado para criar todo o material lingüístico da trilogia cinematográfica de Peter Jackson. Teve de criar palavras não imaginadas por Tolkien para o Quenya, o Sindarin, o Khuzdûl e a “Língua Negra” de Sauron (a da inscrição no “Um Anel”).
Não há estatísticas a respeito, mas não seria surpresa se houver hoje mais pessoas capazes de entender Quenya do que, digamos, sumeriano ou egípcio antigo. Seguramente, porém, a mais conhecida das línguas artificiais com fins artísticos e literários não é nenhuma das criadas por Tolkien e sim o Klingon ou “tlhIngan Hol” desenvolvido em 1984 por Marc Okrand, um lingüista estadunidense especializado em línguas indígenas norte-americanas, para a série Jornada nas Estrelas. Algumas frases já haviam sido improvisadas por atores no primeiro filme da série feito para o cinema, em 1979.
Essa criação, que não pretendia mais do que dar um toque mais “realista” aos diálogos entre alienígenas, teve um sucesso inesperado e duradouro. Em 1991 foi fundado o Instituto da Língua Klingon, que hoje tem 1.500 filiados. Segundo a Modern Language Association (que reúne professores de literatura e línguas estadunidenses), há hoje sete mil falantes de Klingon, bem mais do que podem contar hoje a maioria das línguas indígenas estudadas a sério por Okrand (o navajo, que é das mais importantes, está reduzida a mil usuários), ou qualquer das candidatas a língua internacional, com exceção do Esperanto.
Esse sucesso é um fenômeno que desperta a curiosidade dos sociólogos e lingüistas. Ao contrário das línguas élficas de Tolkien, o Klingon não foi criado para ser belo. Pelo contrário: é um idioma propositalmente “feio”, como convém a uma espécie de alienígenas rudes e mal-humorados. Também não pretende ser uma língua fácil: a gramática é deliberadamente estranha e irregular, as palavras são difíceis de pronunciar (para falantes de línguas ocidentais, pelo menos) e não têm qualquer relação com línguas humanas. Nem sequer é uma língua prática. Criado para falar de batalhas espaciais, duelos e conspirações, carece de termos para muitos dos mais simples objetos, sentimentos e percepções do cotidiano: ainda não existe, por exemplo, uma palavra em klingon para “cadeira” – embora tais deficiências estejam sendo pouco a pouco supridas por Okrand, a pedido dos klingonistas.
Uma tese de graduação defendida em 2004 por Yens Wahlgren, formando em sociologia da Universidade Lund da Suécia, analisa o interesse pela língua Klingon como uma forma de adquirir capital simbólico. Uma maneira de conquistar autoridade e prestígio dentro da comunidade de klingon-falantes, formada por pessoas com nível educacional alto (principalmente estudantes de línguas e lingüística) e cada vez menos identificada com a comunidade dos fãs de Jornada nas Estrelas. Na verdade, segundo Wahlgren, a maioria dos klingonistas diz ter perdido o interesse na série e alguns nunca foram trekkers.
Mas isso não explica por que essa comunidade, para começar, tornou-se atraente. Por que não há tantas pessoas que tentem acumular capital simbólico aprendendo navajo? Ou qualquer das centenas de línguas reais em risco imediato de extinção? Há 357 línguas com menos de 50 falantes, geralmente idosos, 46 das quais reduzidas a um último falante nativo.
Vale notar também que a língua vulcana, embora tenha sido criada por Okrand, para a mesma série, antes mesmo do klingon e seja o suposto idioma nativo do mais famoso personagem da série, o inteligentíssimo e (quase) imperturbável Sr. Spock. Pode estar aí a resposta: talvez esses intelectuais ou candidatos a intelectuais sejam atraídos pela oportunidade de brincar de ser um alienígena bruto e agressivo, de simular comportamentos e valores totalmente inaceitáveis em suas vidas reais. Não tem graça brincar de ser vulcano quando a vida acadêmica real o obriga a portar-se como um Spock a maior parte do tempo.
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